Passage: uma obra de arte em 5 minutos
Passage é um jogo criado por Jason Rohrer para o Kokoromi’s Gamma 256, um evento independente ocorrido em novembro de 2007 em Montreal. Esse festival é um campeonato de desenvolvimento de games, onde os mesmos não podem ultrapassar a resolução de 256 pixels e terem no máximo 5 minutos de duração. A idéia aqui é estimular novos conceitos de games através dessas limitações. Jason foi ainda mais longe: Passage tem uma resolução de apenas 100 x 12 pixels e, apesar de limitado tecnicamente, é um jogo ímpar.
O jogo basicamente é de exploração e os únicos comandos possíveis são as setas direcionais do teclado. Não há regras e não há um objetivo específico além de explorar, andar ou então não fazer nada disso – você é quem decide. Isso, somado aos poucos pixels do jogo pode parecer bem estranho num primeiro momento; ledo engano. Na verdade o objetivo do jogo não é libertar nenhuma princesa ou destruir algum invasor espacial… mas para explicar isso é preciso que você baixe e jogue o game antes de ler os meus comentários a seguir.
Sério, o texto a seguir é um verdadeiro Spoiler e faço questão que você reserve 5 minutos de sua vida para jogar esta jóia rara (de 486 Kb, instalação facílima e versões para Windows, Mac e Linux) que provavelmente será lembrada pelo resto de sua vida. De novo: baixe e jogue o game, e volte aqui assim que terminar de jogar (talvez será preciso jogar mais de uma partida até entender o espírito do jogo).
Agora que já jogou, vamos à análise do game. Passage é uma brilhante metáfora da vida: é impressionante como em tão pouco tempo e com recursos tão limitados ele consegue de forma incrível fazer com que o jogador pense na vida. Como seu próprio autor diz, um memento mori game.
A visão do jogo é bastante limitada: apenas uma estreita faixa no centro da tela, e ela representa a sua própria vida. No início do game o personagem é um jovem que não consegue enxergar nada à sua esquerda (passado) e que tem todo o seu futuro à sua frente (à direita), comprensado num efeito bem bonito por sinal. A cada instante seu personagem vai ficando mais velho, vai perdendo os cabelos e a agilidade, e ao mesmo tempo vai se posicionando mais à direita da tela, deixando simbolicamente seu passado para trás e um futuro já bem mais curto pela frente.
Você pode tentar acumular pontos procurando por baús com tesouros ou simplesmente andando para a sua direita. Ou então simplesmente ficar apreciando o cenário deixando o tempo passar… não existe o certo ou errado aqui. Nada do que você fazer pode alterar o final do game, a verdadeira questão é de que forma você vai aproveitar os seus 5 minutos. Você pode resolver seguir em frente sem aventurar-se no labirinto atrás dos tesouros e nem ter que enfrentar seus obstáculos, apenas caminhando em linha reta, numa talvez enfandonha caminhada até aonde der. Ou então, aventurar-se pelos longos labirintos que guardam os tesouros, transpondo diversos obstáculos e caminhos tortuosos para tal, e num sentido vertical da tela, aonde não é possível visualizar o que vem a seguir (ao contrário do seu futuro à direita). Assim como na vida real, os baús podem ou não conter recompensas, e os obstáculos aumentam ou diminuem a todo momento.
Há ainda a possibilidade de seguir o caminho junto a uma companheira, logo no começo do game. Se você tomar a decisão de viver a sua vida a dois (não necessariamente no início do game) os pontos que ganhará ao caminhar à direita virão em dobro. Entretanto, é muito mais difícil conseguir se aventurar pelos labirintos logo abaixo, já que vários dos baús só são acessíveis por passagens em que apenas uma pessoa consegue entrar. E quando sua companheira morre, você vai passar por um momento de muita tristeza e angústia, reduzindo ainda mais sua mobilidade.
Os gráficos do jogo, apesar de tão pixelados, são incrivelmente poéticos. O efeito de passagem do tempo, do futuro e passado compressos; cada experiência única que cada parte do infinito cenário proporciona através de imagens que passam muito mais experiências emocionais do que cenário físico propriamente são de uma percepção incrível. A música do jogo é uma homenagem ao sistema Atari, e é uma pérola que consegue passar os mais profundos sentimentos, de alegria à tristeza, de uma maneira muito impactante.
Apesar de curto, o jogo é de um replay incrível: é muito fácil se pegar jogando novamente para tentar outra estratégia para sua vida, tentar vivê-la de uma maneira diferente, tentar aquilo que ainda não fez, enfim… dar um outro significado à sua existência, e entender definitivamente a mensagem que aquele amontoado de pixels está tentando te dizer.
Não deixe de ler os objetivos e motivações que o autor de Passage, Jason Rohrer, teve ao criar o game. Segundo Jason:
“Quando eu cheguei perto do meu 30º aniversário, quis criar um jogo que expressasse o que eu estava sentindo sobre a passagem da vida. Uma parte é um sentimento de tristeza, de perda do que ficou para trás e o terror na idéia da morte à minha frente, mas eu também quis mostrar minha apreciação da profunda beleza da vida. Morte, ao meu ver, é um componente crucial desta beleza. A vida é muito mais bela quando vista como um todo, com começo, meio e fim.”
Segundo o The Wall Street Journal Passage, com apenas 2 meses de vida já tinha sido baixado mais de 38.000 vezes. Atualmente o vencedor do festival Kokoromi’s Gamma 256 provoca uma enorme discussão entre blogs especializados em games e seus visitantes. Enquanto o mundo fica impressionado com o avanço tecnológico de games como GTA IV, Passage mostra que não é necessário uma tecnologia avançadíssima e 80 horas de jogo para se criar um jogo de profundidade e conteúdo.
De acordo com a Wikipedia: “arte é o produto da atividade humana, feito com a intenção de estimular os sentidos humanos assim como a sua mente, transmitindo emoções e/ou idéias.” Passage responde de maneira brilhante àquela antiga questão: “Videogame é uma arte?”, encerrando de uma vez por todas esta discussão.
Referências: Pizza Frita
Parabéns pelo post cara!
É realmente um jogaço!
Serve pra mostrar à galera atual q jogo bom não é apenas gráfico…
Infelizmente muita gente pensa assim, por isso os consoles das antigas serão sempre a melhor opção pra quem realmente quer "jogar um bom game"
É disso que eu digo… VG's em geral não são nenhuma forma de brincadeirinhas… Isso é midia, é vida… O quesito de jogo bom hoje é um homem musculoso, matando todo mundo e sem motivo para tudo isso, este jogo mostra o porque que eu odeio Resident Evil 4, dizem que ele é o melhor… Como? Com graficos 3D puros e um jovial garoto musculoso mostrando que tem uma 12 na mão e que pode matar todo mundo? Acho que não… Quase chorei ao jogar Resident Evil 1 e não senti tamanho sentimento ao jogar o 4, pra falar verdade… Nem passou perto… Esse autor mostra a filosofia e arte que um jogo pode ser mesmo não criado em 3D e com armas na mão do personagem… É por isso que eu digo: Quer jogo bom? Jogue TopGear SNES, Resident evil 1,2,3, (PSX) ou Sweet Home (NES)… Joguem isso… É alguns tolos ainda dizem que Grand Theft Auto IV é o jogo doano… Isso me assusta…
Já tinho lido sobre esse jogo em outro site, só que como estava no serviço não cheguei a baixa-lo e, alguns dias atrás, revendo sobre ele aqui no PS pude finalmente matar a curiosidade.
Talvez haja um Q de insensibilidade em mim quando rola essas "meta mensagens", creio que se não tivesse lido sobre o jogo, não teria sacado a mensagem dele. Não minto porém que me deu um certo dó na hora que a mulherzinha morreu, parece que no momento que isso aconteceu a fisionomia do personagem ficou visivelmente mais triste…e orra, isso em gráficos "atari" !!
Dentro dos "games artes" um que me arrepiou quando conheci foi o Shadow of colossus, aquilo também é arte pura em forma de game, em todos os sentidos. O que mais me envolveu no jogo foi a motivação do personagem, fazer o que for preciso para ressuscitar uma pessoa amada. Todo aquele sentimento de solidão tendo nós e o cavalo em um mundo tão amplo, buscando matar criaturas tão magníficas sem culpa alguma de nossa situação somente por uma motivação tão sentimental e única…não tem como descrever, esse é um jogo que digo sem medo algum que me emocionou.
Por isso acredito que negar que games não podem ser uma forma de arte soa a ignorância, e eles sempre serão bem vindos em todas as suas formas e expressões !
Realmente um excelente jogo, gostei muito por isso não adianta ter gráficos belíssimos, ter conteúdo já e o suficiente
vlw
Simplesmente perfeito o jogo. Nunca ví e provavelmente não irei ver igual tão cedo (caso veja…).
Que maravilha!!! Notem que não importa o que se faça o objetivo é um só e o cara insiste e joga de novo, só pra ver como é. E como é triste perder a menina!
O lance dos pontos acho que é para mostrar a irrelevância dos nossos desejos e anseios.
No final acho que dá pra chamar o jogo até de machista (a mulher faz com que o cara não possa ir por certos caminhos…), mas a liberdade no geral faz do jogo absurdamente amplo e longe do maniqueísmo comum à qualquer jogo.
Arte!
O machismo é mesmo uma coisa de maricas…Veja só, o indivíduo não consegue realizare certas coisas e fica se fazendo de vítima e culpando a mulher, é um tremendo de um tanga frouxa.
caramba não dava nada pra esse ,jogo mais quando fui percebe ja tava pensando na vida hehehe,cara sem palavras,é agonizante fica perambulando sozinho,e tb faz vc ve como é ter outra pessoa com vc,parabens para o criador do game,consiguiu faze arte com tão pouco
Fantástico.
não, o jogo não é machista. a idéia da menina bloquear algumas passagens é a idéia do relacionamento a dois. vc fica impedido de fazer certas coisas.
esse jogo é lindo….
Trolls costumam odiar este jogo. Ótimo sinal, não?
Muito comovente. Corroboro todas as palavras do artigo. Sim, é uma arte.
Depois que joguei, chamei minha irmã para jogar. As perguntas que ela fazia ao longo do jogo tinham tudo a ver com nossa vida realmente: "para onde eu vou?" "apenas para a frente?" "Ah, posso ir para outras direções!"
Quando a mocinha morreu ela perguntou: "e agora? eu fico aqui com ela ou continuo andando?"
Não sei se ela percebeu, mas a sutileza e a beleza do jogo foi evidenciada naquele momento pra mim.
Estava pensando se esse jogo não relaciona a vida mundana das pessoas com a jornada do herói, conforme descrita por Joseph Campbell:
Os 12 Estágios da Jornada do Herói
1. Mundo Comum – O mundo normal do herói antes da história começar.
2. O Chamado da Aventura – Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura.
3. Reticência do Herói ou Recusa do Chamado – O herói recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque tem medo.
4. Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural – O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura.
5. Cruzamento do Primeiro Portal – O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico.
6. Provações, aliados e inimigos ou A Barriga da Baleia – O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial.
7. Aproximação – O herói tem êxitos durante as provações
8. Provação difícil ou traumática – A maior crise da aventura, de vida ou morte.
9. Recompensa – O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
10. O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o mundo comum.
11. Ressurreição do Herói – Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.
12. Regresso com o Elixir – O herói volta para casa com o "elixir", e o usa para ajudar todos no mundo comum.
Isso transcrito para a vida mundana, sem a ajuda do sobrenatural.
Um jogo muito bonito que com simplicidade consegue passar mais emoção do que muitos jogos atuais! E o mais interessante é que ele acaba sendo bastante realista, pois em vários momentos acabamos associando situações do jogo á coisas específicas que acontecem na nossa própria vida. Muito bom post! Adorei! 🙂